
Novo distúrbio mostra pessoas obesas sem consciência de que estão acima do peso
            
JUNHO 2008
Shelley pesava 116 kg, mas
não se achava obesa
A empresária britânica Sara Bird, 45 anos, é um caso a ser estudado, literalmente. É da natureza feminina, independentemente de suas medidas, se olhar no espelho e se achar acima do peso – dois ou três quilos que sejam. Com ela, a história foi outra. Sempre que via seu reflexo, achava que estava com um corpo ótimo. Só que, há cinco anos, quase por acaso, ela descobriu que pesava 123 quilos. A revelação se deu durante uma consulta médica, quando foi convidada a subir na balança – aparelho que não encarava havia anos. “Eu sabia que não era magra”, disse ela à IstoÉ. “Mas nem de longe imaginava estar 30 quilos acima do meu peso.” Ao chegar em casa, arrasada com o diagnóstico, Sara tirou toda a roupa e se obrigou a enfrentar o espelho. “Fiquei paralisada, extremamente chocada”, conta. “Ao mesmo tempo que as anoréxicas parecem um pirulito, com aquela cabeçona e aquele corpinho, eu parecia um pirulito às avessas, com aquele corpão e aquela cabecinha.”
  Como Sara pôde estar tão equivocada? Depois  de muito se perguntar, pesquisar e consultar especialistas, ela chegou à  conclusão de que sofria de uma espécie de anorexia invertida. Da mesma  forma que um anoréxico se olha no espelho e se vê gordo, mesmo estando  excessivamente magro, ela se enxergava magra, mesmo sendo extremamente  gorda. A esse distúrbio de imagem ela deu o nome de fatorexia, ou  gordorexia, numa tradução livre. “Quando eu me olhava no espelho, eu via  um rosto atraente, com uma pele impecável e cabelos perfeitos. Estava  sempre de unhas feitas e usava sapatos charmosos e roupas elegantes”,  diz ela. Sara, no entanto, raramente buscava o seu reflexo em espelhos  de corpo inteiro – bem diferente do que fazem os anoréxicos típicos – e  costumava usar roupas de elástico na cintura. “Eu vinha de 20 anos de  dietas, convivia com o efeito ioiô e tinha uma ideia equivocada do meu  peso porque, inconscientemente, fugia desse assunto.” Sua experiência  resultou no livro “Fatorexia – What do You See When You Look at Mirror?”  (Gordorexia – O Que Você Vê Quando Olha no Espelho?). Lançada no mês  passado no Reino Unido – sem previsão de chegada ao Brasil –, a obra  esgotou das prateleiras em três semanas e uma segunda edição já está  chegando às livrarias. O objetivo de Sara ao publicar o livro era  chamar a atenção da comunidade médica e de pessoas com experiências  semelhantes à dela para que seu distúrbio de imagem fosse estudado e  catalogado clinicamente. E ela está conseguindo. Até o momento, a  gordorexia ainda não encontra respaldo científico, pois nunca se  pesquisou a fundo tal questão. No entanto, segundo especialistas ouvidos  por IStoÉ, ela é plausível. “todas as questões que envolvem imagem  corporal ainda são muito novas para a medicina”, explica o psiquiatra  táki Cordas, coordenador do Ambulatório de transtornos Alimentares do  Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. “É,  provavelmente, mais um distúrbio de imagem que surge no mundo  contemporâneo”, diz Gisele Prado, psicóloga do Centro de Cirurgia da  obesidade do Hospital Israelita Albert Einstein. Além da anorexia  nervosa, a única reconhecida como doença pela organização Mundial de  Saúde (oMS), há outros transtornos, fenômenos mais recentes que começam a  receber atenção da medicina (leia quadro). todos eles têm o componente  do distúrbio de imagem em comum e podem ser amenizados com terapia  psicanalítica ou cognitivocomportamental. Mas só a anorexia pode levar à  morte. Durante os cinco anos em que se debruçou  sobre o assunto, Sara afirma ter conversado com centenas de pessoas que  viveram experiências semelhantes. “Em sua grande maioria, eram mulheres  que evitavam o espelho e descobriram estar obesas depois de um longo  tempo de ilusão”, conta. A americana Shelley Bowman não conhece a  autora, mas se encaixa perfeitamente no perfil. Em maio Sara acredita que o reconhecimento da  gordorexia como distúrbio de imagem – ou até mesmo como doença –  ajudaria outros obesos a encarar a sua situação e a se tratar. “Sem  saber que estava tão gorda, eu não tinha amarras à mesa, comia demais, e  sem culpa”, diz. Atualmente, ela pesa 112,5 quilos. Desde a constatação  de sua obesidade, não perdeu o peso que precisa, mas agora tem  consciência de suas medidas e as vigia. “Há dois anos peso a mesma coisa  e isso é uma grande vitória para mim”, diz. Como se vê, conhecer o  problema é o primeiro passo para solucionálo. http://www.istoe.com.br/reportagens/69632_AS+GORDOREXICAS
JUNHO 2009
Depois de se dar conta do
problema, perdeu 45 kg
LEDO ENGANO
Sara Bird se achava magra até
constatar que pesava 123 kg
de 2008, no mesmo dia em que decidiu eliminar seus muitos quilos a mais,  ela lançou o blog My Journey to Fit (Minha Jornada ao Emagrecimento).  Nove meses depois, muito antes de Sara lançar o seu livro, Shelley  postou na sua página uma reflexão com o título “fatorexia” (ou  gordorexia). Coincidentemente, a americana teve o mesmo insight que a  britânica ao descrever sua experiência com o espelho. Ao se deparar com  uma fotografia sua, junto de sua bicicleta nova, tirada à época pelo  marido, a ficha de Shelley caiu. “Eu sabia que estava acima do peso,  tanto que havia iniciado um combinado de dietas e exercícios, mas não  tinha noção de que era tão grande! Acho que os espelhos estão  enfeitiçados... ou eu sofro de gordorexia”, escreveu na época no blog.  Shelley levou um ano e seis meses para perder 45 quilos. Hoje, pesa 69  quilos, mas ainda não confia no seu reflexo. “Tenho medo de não estar  vendo o que de fato sou”, diz.



